Notificação Pessoal

O artigo 5º, LIV, LV, LVI, LVII, XIX da Constituição Federal e o artigo 91, I da Lei Complementar Estadual 709, de 14 de Janeiro de 1993, garantem e afirmam o devido processo legal e a ampla defesa como princípios que garantem a democracia e a segurança institucional.

Apesar disso, lamentavelmente, não é incomum ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, após concluir pela irregularidade das contas de algum órgão da administração pública direita ou indireta, deixar de intimar pessoalmente os interessados, como determina o artigo 91, I da Lei Complementar 709/93, tanto acerca da existência do processo, quanto para acompanhá-lo ou prestar esclarecimentos. O que prejudica e inobserva a lei e a determinação constitucional, significando, na prática ausência do exercício do direito líquido e certo da ampla defesa.

Se o interessado jamais foi notificado pessoalmente a prestar informações ou a exibir documentos novos ou a defender-se em processo que tramita pelo TCE o processo é nulo, pois a não notificação pessoal caracteriza afronta a ampla defesa, direito líquido e certo do artigo 5º, LV da Constituição Federal e artigo 91, I da LC 709/93, esta in verbis: "A notificação, em processo de tomada de contas, convidando o responsável, sob as penas da lei, a prestar informações, a exibir documentos novos ou a defender-se, bem como a intimação de que foi condenado em alcance ou multa serão feitas: I — pessoalmente;…".

Se o interessado, aquele que sentirá os efeitos jurídicos da decisão do Tribunal de Contas, tomar conhecimento da decisão que julgue irregulares as contas de sua gestão sem que tenha sido notificado pessoalmente, conforme determina o artigo 91, I da Lei Complementar 709/93, tal decisão é nula e agride os princípios da ampla defesa, e do devido processo legal, previstos em nossa carta magna, dentre os direitos e garantias fundamentais, e norteadores do estado de direito.

Aliás, nulo o processo administrativo desde o momento em que deveria a autoridade ter providenciado a notificação pessoal e a notificação ficta não supre a notificação pessoal.

Deve ser observado e ressaltado que a decisão, além de desrespeitar direito líquido e certo à ampla defesa do interessado, da parte desatende a orientação jurisprudencial, que indica e orienta no sentido de qualquer decisão do Tribunal de Contas do Estado deve ser precedida de notificação pessoal do interessado, em respeito ao artigo 91, I da LC 709/98 e o artigo 5º, LV da Constituição Federal.

As intimações dos atos e decisões do Tribunal de Contas presumem-se perfeitas com a publicação no Diário Oficial, conforme artigo 90 da LC 709/93, mas as notificações devem obedecer o artigo 91, I da LC 709/93, essa é a regra, que se inobservada causa prejuízo a direito líquido e certo.

Nula a notificação apenas publicada no Diário Oficial do Estado, pois a Lei Complementar determina, in casu, que a notificação seja pessoal, e, se nula é a notificação ficta todos os atos que a ela se seguiram são igualmente inexistentes.

Aliás, essa é a opinião do professor Hely Lopes Meirelles que ensina que quanto a eficácia o ato administrativo pode ser válido, nulo ou inexistente. Sobre o ato nulo escreve o Mestre: "…é o que nasce afetado de vício insanável por ausência ou defeito substancial em seus elementos constitutivos ou no procedimento formativo." (Direito Administrativo Brasileiro, 25a.Edição, ed. Malheiros, p.163). A notificação sempre deve ocorrer pessoalmente, conforme determina o artigo 91, I da Lei Complementar 709/93, em não sendo de império o reconhecimento da nulidade.

Essa é a nulidade que o professor Hely Lopes Meireles denomina de "…virtual pois a sua invalidade decorre da infringência de princípios específicos do Direito Público, reconhecidos por interpretação das normas concernentes ao ato." (ob. cit., p.163), e conclui que "… o ato ilegítimo ou ilegal e não produz qualquer efeito válido entre as partes, pela evidente razão de que não se pode adquirir direitos contra a lei".

A parte interessada, qualquer que seja ela, tem a credibilidade pessoal e profissional como tesouros fundamentais à sua sobrevivência, é valor imensurável, por isso é fundamental o exercício do amplo direito de defesa e do devido processo legal, através dos quais a parte poderá apresentar-se à sociedade com a tranqüilidade daqueles que de forma induvidosa nada devem.

Por isso, o reconhecimento de nulidade do processo administrativo é necessário quando inobserva os citados princípios, tudo em respeito à ordem e ao interesse público e aos direitos individuais. Aliás, esse é o entendimento dos tribunais: Supremo Tribunal Federal — RDA 38/259, 51/274; RT 227/602, 258/591.

Assim sendo, tem a parte interessada o direito subjetivo a impetrar Mandado de Segurança para resguardar suas garantias constitucionais, especialmente aquele que é denominado garantia de defesa. Por garantia de defesa o professor Hely Lopes Meirelles afirma que"…deve-se entender não só a observância do rito adequado como a cientificação do processo ao interessado, a oportunidade para contestar a acusação, produzir prova de seu direito, acompanhar os atos da instrução e utilizar-se dos recursos cabíveis." (ob. cit., p. 633).

O que significa dizer que: mesmo se não houvesse a hipótese legal do inciso I do artigo 91 da Lei Complementar 709/93, ainda assim, a parte interessada teria garantia à ampla defesa em decorrência do princípio da garantia de defesa assegurado no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, juntamente com a obrigatoriedade do contraditório como decorrência do devido processo legal (art. 5º, LIV da Constituição Federal), que tem origem no due process of law do Direito Anglo-Americano.

E, processo administrativo sem oportunidade de defesa ou com defesa cerceada é nulo, conforme têm decidido reiteradamente nossos tribunais judiciais, o que confirma a aplicabilidade do princípio constitucional do devido processo legal e da garantia à ampla defesa (STF, RDA 73/136,97/110, 114/142, 118/99; TFR, RTFR 34/140 e RT 261/365, 321/260, 257/483, 260/563, 270/632 e 345/352).

Todos os grandes doutrinadores afirmam que a inobservância da garantia da ampla defesa determina a nulidade do processo administrativo, dentre eles José Frederico Marques, "A garantia do due process of law no Direito Tributário", RDP 5/28, Sérgio de Andréa Fereira, "A garantia da ampla defesa no Direito Administrativo Processual Disciplinar", RDP 19/60 e Ada Pelegrini Grinover, "O Princípio da ampla defesa", RDPG 19/9.

Certamente ao elencar o princípio da ampla defesa dentre o rol dos direitos e garantias individuais, o legislador constitucional, explicitou-o como um dos pilares do Estado de Direito Democrático, e, além disso, impediu que tal garantia fosse ceifada ou diminuída por qualquer espécie de lei, até mesmo uma emenda constitucional.

Ainda mais, a forma clara e ampla como tal princípio é exposto no texto constitucional: "aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"(g.n.), demonstra que, tanto no processo judicial, quanto no administrativo, a defesa deve ser ampla, ou seja, aberta, incondicionada e ilimitada, possibilitando, ainda, que os litigantes possam utilizar "os meios e recursos a ela inerentes".

Qualquer meio que impeça, condicione, ou dificulte o exercício do princípio em tela, deve ser repelido, pois lei alguma pode abolir ou restringir os direitos e garantias descritos no artigo 5° de nossa Carta Constitucional, conforme prescreve o artigo 60, parágrafo 4°, IV, desta.

Por Pedro Benedito Maciel Neto - Da Revista Consultor Jurídico

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